sexta-feira, 20 de janeiro de 2012


Pop-Rock Brasileiro e os Rip-Offs. Plágio ou Inspiração?

Já virou clichê comentar o caso em que Jorge Benjor ajuizou ação contra Rod Stewart por plágio e venceu. Trata-se da famosa “Taj Mahal”, cujo refrão -aquele “Te-te-te-re-tê”- foi copiado nota-a-nota por Rod na linha melódica do refrão da sua não menos célebre “Do Ya Think I’m Sexy”, de 1978, verdadeiro standard da rádio Antena 1 e similares em todo o Brasil.

Em inglês, usa-se para designar essa manobra musical a pejorativa expressão rip off, que em bom português seria o equivalente a currar. Um evidente rip-off e pouco comentado é aquele feito por David Bowie em “Ziggy Stardust”, no início do refrão, naquela parte onde David canta “so where were the spiders while the fly tried to break our balls”. A sequência de acordes é praticamente a mesma de “Stairway To Heaven” do Led Zeppelin, quando Robert Plant berra “And as we wind on down the road / Our shadows taller than our soul (…)”, no climax da música, antes do final. Como tanto uma música quanto a outra são dois dos maiores clássicos do rock de todos os tempos, dá pra perceber bem o tanto que os rip-offs são mais comuns do que se imagina.

Nos anos oitenta, época áurea do pop-rock nacional, algumas bandas brasileiras se destacaram com músicas inteiramente originais e outras se consagraram sem tanta originalidade. E havia, ainda, os covers declarados, como “Astronauta de Mármore” do Nenhum de Nós, que é uma competente versão de “Starman”, também de Bowie e do mesmo álbum que o clássico citado no parágrafo anterior: “The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars”. Nessa linha, por seu turno, temos Kiko Zambianchi, que fez uma versão escatológica de "Hey Jude" dos Beatles, que empolgou a cena brega daquela época e que hoje poderia ser considerada cult (do jeito que a música vem sendo mal analisada ultimamente... vide post anterior). Pois bem, mas e os rip-offs não declarados? E quando a possibilidade de ser mesmo plágio fica bem na cara? Ora, pesquisando em foros de música dos mais diversos não encontrei absolutamente nada a respeito dos exemplos que citarei em seguida. O motivo é simples: as semelhanças entre o original e a cópia na maioria das vezes estão ali, mas os produtores mudam arranjos, sem alterar a sequência de acordes,  aceleram o tempo da música ou, simplesmente, transformam a música, por exemplo, que é ska num punk-rock paulera e ninguém, aliás quase ninguém, percebe o rip-off.

Há coisa de dez anos, achei numa loja de discos usados uma coletânea em vinil do Red Hot Chili Peppers chamada “What Hits?”. Gosto desse disco porque tem só músicas da época anterior ao popular “Blood Sugar Sex Magic” de 1991 e como eu não sou lá grande fã de Red Hot, a coletânea caiu bem a gosto. Me deparei com a música “Get Up And Jump”, do álbum de estreia de 1984, e não consegui parar de pensar num dos maiores hits do pop nacional dos anos 80: “Kátia Flávia”, de Fausto Fawcett, gravada em 1987. O rip-off da música do Red Hot seria bem naquela parte em que Fausto rapeia “ficou famosa por andar num cavalo branco pelas noites suburbanas”.  A estrutura é quase a mesma do primeiro verso antes do refrão de "Get Up And Jump". Se não é rip-off é no mínimo uma inspiração em excesso. O resultado foi ótimo e Kátia Flávia até hoje é uma das favoritas de todo oitentista brasileiro que se preze (incluído o autor deste blog).

Um outro rip-off que me deixou de cara foi feito de maneira não menos sutil. Louva-se a competência do produtor que o fez. Trata-se do grande clássico do rock nacional “Bichos Escrotos” dos Titãs, daquele bom disco Cabeça Dinossauro de 1986. Esse rip-off me instigou muito porque veio de uma banda inglesa que hoje é uma ilustre desconhecida mas que é, na minha modesta opinião, uma das grandes expressões do new wave: Haircut 100, sublime mistura de Flock of Seagulls com Kid Creole & The Coconuts, praticamente uma versão tropical do Duran Duran! A faixa em questão é “Favourite Shirts (Boy Meets Girl)”, do excelente disco "Pelican West", de 1982. A estrutura ritmica, que se repete ao longo da música inteira, é praticamente idêntica à de “Bichos Escrotos”, com a ressalva de que a música dos Titãs deixou de lado o flavor latino de “Favourite Shirts”. Ambas as músicas são ótimas. Mas o rip-off está escancarado, basta prestar atenção.

Todo mundo sabe que a Jovem Guarda, enquanto movimento musical, foi amplamente marcada pelo lançamento de versões em português de músicas estrangeiras, em geral gravadas originalmente em língua inglesa ou italiana. Claro que nenhum compositor de fora naquela época deixou de ser creditado. Nos anos 90, no entanto, o Barão Vermelho -minha banda brasileira favorita- regravou um antigo samba de Bezerra da Silva, “Malandragem dá um tempo”. A versão, bem samba-rock, ficou ótima, eu mesmo a toquei várias vezes. O problema é o solo de metais no início, no meio e no final da música. É exatamente a mesma sequência de notas do solo de gaita do clássico da banda de funk americana War, seu maior hit: “Low Rider”. O problema não foi o rip-off, já que o arranjo encaixou muito bem na música do Barão, mas o fato de a música incidental não ter sido sequer creditada. Lulu Santos, por exemplo, não deixou de creditar a banda disco The Tramps, quando regravou o sucesso de Tim Maia, "Descobridor dos Sete Mares", ao construir a base de sua versão por cima do clássico "Disco Inferno". O rip-off do Barão, ao contrário dos anteriores, é amplamente comentado na net e não sei mesmo o que foi feito em termos de copyright até o momento.

É isso aí, galera. E quem souber de algum outro rip-off na música pop brasileira que jogue pedras à vontade!

10 comentários:

  1. Obrigado por visitar o meu Blog. Eu sou fã de David Bowie desde os 13 anos (hoje tenho 51) e nunca tinha observado essa semelhança entre o refrão de "Ziggy Stardust" e o final de "Stairway to Heaven", mas você está certíssimo, a semelhança é inegável. Conheço vários casos de plágios e semelhanças, mas acho um assunto delicado demais para abordar num texto público. Existe até um livro só sobre isso, chamado "Sounds Like Teen Spirit". Abração!

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  2. Obrigado, Emílio, por retribuir a visita. Concordo que o assunto é delicado, mas o rip-off é de tal forma aceito pela comunidade musical em geral que somente os casos realmente fora de questão em matéria de plágio são levados a sério. Na maioria das vezes, o assunto é visto como parte de uma dinâmica de inspiração e influência mútuas que ajuda na evolução da música como um todo. Valeu a dica do livro. Abração!

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  3. Falaê, Juliano!
    Tenho acompanhado seus excelentes posts! Parabéns pelo blog. Ducaralho!
    Mais dois rip-offs pra sua lista: "Alagados" - Paralamas do Sucesso e "Solace of You" - Living Colour; "Why Don't You Get a Job?" - The Offspring e "Ob-la-di Ob-la-da" - The Beatles. Descarado!
    Tb não tinha sacado o Bowie to Heaven... Hahaha.
    Faz sentido!
    Abração.

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  4. Grande Lobão! Sobre Offspring ripando os Beatles, isso ficou na cara, tão logo aquele bom disco, Americana, saiu, em 1998. Agora, em se tratando de Paralamas a polêmica cresce. Segundo a biografia do seu xará músico famoso, eles tinham fama de se apropriarem da inspiração alheia, haja vista o próprio trabalho do Lobão. "Me liga" e "Me Chama" é exemplo disso. Porém, eis que temos aqui, talvez, digo talvez porque a semelhança não é tão escancarada, o caso de uma banda estrangeira fazer o rip-off de uma banda brasileira. O Living Colour gravou a ótima "The Solace Of You" em 1990, quatro anos depois que os Paralamas lançaram "Alagados". Eu vejo semelhança, talvez uma inspiração mesmo, na música da banda americana. Nunca é demais lembrar que os Paralamas do Sucesso são a banda brasileira de pop-rock mais bem sucedida de todos os tempos fora do Brasil, com discos em espanhol etc. É bem provável que eles tenham inspirado o Living Colour e se redimido das insinuações do Lobão!

    Abraço!

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  5. Com todo o respeito...ou melhor, sem nenhum respeito mesmo: Barão Vermelho (sobretudo sua versão "morta-viva", dos anos 90) fazer rip off do War, sem creditar, é um crime hediondo! Sempre me incomodou essa "carona" que eles pegaram na genialidade do War, agora, saber que eles não reconheceram o mérito devido, é revoltante. War é uma das melhores bandas de "não-rock" que há, em todos os tempos! Mais um gol contra da música nacional...
    Abraço, Chico!

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    1. O Barão dos anos 90 é o Barão que se firmou como a maior banda de rock do Brasil de todos os tempos... São os nossos Stones, ponto.

      Agora, gostei do comentário sobre o War. É uma banda não-rock fantástica! Deu vontade de ouvir, fui...

      Abraço!

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    2. Concordo Paulo Diniz, o Frejat é um coitado perto do sucesso do Cazuza, do Raul Seixas e do genial Renato Russo da Legião Urbana.

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  6. Olá...
    Para tentar enriquecer um pouco mais, vamos incluir nessa lista o famoso "Sossego" de Tim Maia, igualzinho ao "Boot-Leg" do Booker T and MG's.
    Parabéns pelo blog,
    Abraço

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  7. "Cara a Cara" do Barão não parece com "Substitute" do The Who?

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  8. Bom texto! O Led Zeppelin era Rei de Rip-off nos anos 70. A melhor banda brasileira de todas ao lado do Rei Raul Seixas, a Legião Urbana de Renato Russo também já fez seu rip-off escancarado na clássica ''Tempo Perdido, em que se nota de cara a estrutura rítmica de bateria, guitarra, etc, dos The Smiths de Morrissey e Marr por exemplo.

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